Mindelo está a tornar-se na cidade dos pardais. Devido às chuvas dos últimos três anos, a população dessas aves cresceu de forma notável, tanto assim é que muita gente não consegue ficar indiferente a esse fenómeno. A quantidade de pardais é tão significativa que o som desses animais é audível até nos locais mais ruidosos. Mas é na Rua Santo António que o chilreio dos pardais em bandos chega a ser ensurdecedor. É que esses pequenos pássaros escolheram uma árvore gigantesca dessa baixa da cidade como dormitório, pelo que o movimento de voo e pouso é constante.

Noutros locais onde formam grupos com poucos indivíduos, quem sintonizar os ouvidos pode facilmente ouvir o cântico estridente dessas aves de pelugem acastanhada, que passam o tempo de um lado para o outro, à procura de comida. “Eles costumam descer no meu quintal durante todo o dia. Estão tão ‘atrevidos’ que até entram na cozinha e saltam para cima do poial à procura de comida. E, se lhes der na gana, vão para a sala de jantar, sem receio nenhum”, , conta Paula Duarte que adora receber a visita destas aves. Muitas vezes, ela atira-lhes arroz, atraindo um número considerável desses pássaros, e é habitual vê-los empoleirados no telhado da casa desta moradora na Rua do Côco.
A par do aumento visível da população de pardais, é também notória a mudança de comportamento destas avezinhas, que não parecem temer as pessoas. No pátio da Universidade do Mindelo, por exemplo, os alunos já se habituaram a conviver com a presença das aves no quintal desse estabelecimento de ensino, sito no ex-liceu Jorge Barbosa. Na hora do lanche, chegam até a partilhar a sua comida com os pássaros. Alguns universitários brincam com eles ou ficam apenas observando os seus comportamentos. E muitas vezes são surpreendidos com o “atrevimento” de alguns desses animais, quando, por exemplo, saltam para cima das mesas para bicarem restos de bolos e pães.
Para o biotécnico José Melo, não há dúvida de que a pluvisiodade registada em S. Vicente nos últimos anos é o principal responsável pelo nível de reprodução dos pardais. Mas o responsável da ONG Biosfera I aponta ainda outro aspecto que tem contribuido para esse fenómeno: a forma como as pessoas passaram a lidar com essas aves. “Antigamente, as crianças tinham o hábito de caçar pardais, por mero divertimento. Outras pessoas apanhavam-nas para fazer assadas. Hoje em dia isso já não ocorre, pelo menos com muita frequência”, aponta Melo, que acredita que as campanhas de sensibilização ambiental junto das crianças estejam a dar os seus frutos. Mas, por outro lado relembra que, actualmente, as crianças têm outras brincadeiras para se distraírem, em vez de ficarem a andar à caça de pardais de forquilha empunhada.
Muito em breve, a própria Biosfera-I vai dar início a uma campanha nas escolas do ensino básico, virada para o tratamento das aves. A organização pretende aproveitar animais em fase de recuperação nas suas instalações para mostrar aos menos crescidos como devem agarrar e transportar esses seres tão sensíveis e fundamentais ao ecossistema.
Adaptação fácil
Conhecidos pela sua capacidade de adaptação nas cidades, os pardais, segundo José Melo, têm uma alimentação variada, que pode ir de insectos a restos de comida produzida pelo homem. Das 28 espécies conhecidas no mundo, salienta a referida fonte, o biotécnico destaca seis que abundam em Cabo Verde: Pardal de Iago, Txota de Cana, Bico de Lacre, Pardal de Casa, Pardal da Terra e Pardal Algodoeiro. Deste grupo, o pardal de Iago e o de Casa são os mais frequentes na ilha de S. Vicente. “As pessoas pensam que são uma mesma espécie, mas estão enganadas. Elas não se cruzam. O ‘Iago’ – nome que advém da ilha de Santiago – vive mais no campo e o ‘de casa’ na cidade”, explica este Técnico de Pesca, mas com experiência na área ambiental, devido ao trabalho desenvolvido na Biosfera I, nomeadamente nas reservas naturais de Santa Luzia e dos ilhéus Raso e Branco.
Os pardais não são, no entanto, as únicas aves em franca reprodução na ilha de S. Vicente. Colónias de outras espécies andam a dar nas vistas, em especial nas proximidades da Estação de Tratamento de Águas Residuais da Ribeira d’Vinha. Nessa área, segundo José Melo, pode-se encontrar as garças Boeira, Cinzenta e Real, o Colheirinho, Maçaricos de bicos curvo, curto e comprido, Andorinhas... Algumas dessas aves, explica Melo, chegam a Cabo Verde para fugirem do Inverno da Europa. “Esta é a altura em que começam a chegar. Algumas vêm até da Dinamarca”, informa. Segundo Melo, a Biosfera I já foi contactada para participar num trabalho de monitoramento dessas aves migratórias, que terá o seu início no próximo mês de Dezembro, sob a coordenação da Brand Life International. Esta organização costuma fazer o acompanhamento das aves migratórias no mundo e, no caso de Cabo Verde, deverá desenvolver o seu trabalho nas ilhas de S. Vicente, Santiago, Santa Luzia, Maio, Brava e Boa Vista e ainda nos ilhéus Raso e Branco. As restantes ilhas ficam para uma segunda etapa.
A precipitação registada no ilhéu Raso está também a ter os seus efeitos positivos na população da Calhandra, espécie endémica que esteve em perigo de desaparecer da face da Terra. De menos de 100 indivíduos, o número saltou, este ano, para mais de quinhentos, recuperação que está a encher os ambientalistas de esperança na salvação dessa raça. Mas, para poder assegurar a existência dessa ave que só existe em Cabo Verde, a Biosfera I defende a transferência de alguns indivíduos para a ilha de Santa Luzia. Só que este processo depende grandemente da retirada dos gatos selvagens desta reserva natural, caso contrário as aves serão devoradas pelos felinos.
Para poderem concluir essa operação, os ambientalistas colocaram sinalizadores em doze gatos. Deste modo, podem seguir os seus movimentos e descobrir as suas tocas. Assim será mais fácil capturá-los e retira-los dessa reserva natural. Quando tiverem a certeza absoluta de que esse perigo foi eliminado, os técnicos deverão levar alguns exemplares da Calhandra para Santa Luzia.
FONTE: ASEMANA- http://www.asemana.publ.cv
22 Janeiro 2013
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